Plantando alimentos

...colhendo saúde, histórias e esperanças

Por Bruna Fontes, Caroline Souza, Cristiano Gomes, Flávia Gobato, Giuseppe Rindoni, Kênia Marcília, Pablo Silva, Pedro de Grammont e Rosiane Silveira.

                Waldir Pollack. Foto: Pedro de Grammont
Todos os sábados, em frente à Prefeitura Municipal de Mariana acontece a tradicional feira livre. Pela manhã, já estão presentes os clientes, consumidores e amigos que encontram por lá desde  as  verduras e legumes da semana, a uma  diversidade de produtos e histórias, que são contadas pelos próprios  feirantes. Há mais de 20 anos se reúnem para comercializar as suas mercadorias e distribuir  conhecimento.

A verdadeira maratona para deixar tudo organizado começa de madrugada e com um ritmo acelerado. Grandes famílias, principalmente dos distritos da cidade histórica, colocam em suas barracas não só produtos, mas também a esperança de que a vida possa mudar e que o esforço de cada dia  há de valer a pena.

Andando pelos corredores, encontramos vários ingredientes para uma boa salada, também galinhas vivas, frangos assados, bolos, biscoitos caseiros, pasteizininhos, churrasquinhos e não podemos esquecer, é claro, daquele senhor.

Na última barraca, uma surpresa em pessoa. De cabelos grisalhos e uma felicidade que de longe se percebe, parecia até que ele estava à nossa espera. Waldir Pollack, mais conhecido como Seu Waldir,   agricultor orgânico, de 65 anos e que há doze está na feira repartindo os  alimentos que cultiva, além de sonhos e desejos para todos aqueles que chegam e encontram tudo organizadinho e com um cheiro de saúde no ar.

A alegria estampada no rosto. Foto: Flávia Gobato

Com um sorriso cheio de sinceridade e beleza, ele nos recebe, mostrando que não tem medo de ser feliz. Suas verduras e legumes, cuidadosamente organizados em cestos brancos, falam um pouco do carinho que ele tem pela terra. Terra essa que ele trata sem produtos químicos, “pra não estressar o solo”.  Seu Waldir começou a pensar o mal que faz consumir produtos químicos quando sua mulher,  aos 40 anos, foi diagnosticada com um câncer . A partir de então, ele e sua esposa mudaram drasticamente a forma de vida, migrando da capital do estado, a grande Belo Horizonte, direto para uma roça deliciosa em Paracatu de baixo, distrito de Mariana.

Pollack é um senhor de ferro desde o primeiro aperto de mão. Lapidado pelos ensinamentos da vida, tem olhos que mostram a dureza que é lutar pelo que se acredita. E ele, diferente de muitas pessoas, acredita na capacidade do ser humano. “Eu sempre fui engajado nas questões sociais, e não adianta querer fugir. Quando acho que fiquei longe daquilo, logo, logo já estou de volta, ajudando de novo as pessoas”, afirma o agricultor.

Ao ouvir suas pequenas grandes prosas, percebemos rapidamente que uma manhã de feira nunca ia ser suficiente para dar conta do tanto que ele tem a ensinar. Pedimos encarecidamente, um pouco tímidos, para visitar a plantação do Seu Waldir. Ele aceitou sem pestanejar. Naquele sábado, além de estômagos cheios, sabíamos que teríamos muita história para ouvir e contar.


Pé na estrada e no conhecimento

Seu Waldir caminha pela plantação. Foto: Flávia Gobato

Após alguns dias, estávamos na estrada. Destino? Paracatu de Baixo. Seu Waldir nos aguardava: enfim chegávamos naquela casa. Fomos recebidos por Preta, a cadelinha que nos acompanhou durante toda a nossa estada. Uma casa simples, porém aconchegante. Sozinho, Seu Waldir vive de memórias, relembrando os momentos mais felizes que já teve na vida ao lado de sua esposa falecida e de seus dois filhos.

Ao adentrarmos na sala, notamos os inúmeros porta-retratos com as fotos da família. Lembranças que jamais se apagarão da memória do agricultor. A noite já começa a cair, mas antes de dormir pudemos conferir, sentir e degustar uma bela comida mineira feita pelo mestre Waldir. No tempero, pitadas de conhecimentos que foram adquiridos ao longo dos anos.

Chega a manhã. Manhã, não. Madrugada. Estamos de pé às cinco e meia, vendo aquele nosso personagem fazer um café tão cheiroso que enche a sala e os nossos ouvidos com um sertanejo raiz do radinho de pilha. Som de preguiça... Mas nada de preguiça! Vamos logo tomar nosso café para começar a conversar. Seu Waldir, enquanto mexe o café, começa então a falar:

O resultado do trabalho árduo. Foto: Flávia Gobato
Seu Waldir: Eu tenho dois diaristas contratados, mas nem todos os dias eles vêm. Estagiários vêm sim, mas alguns não se preocupam em aprender, vêm apenas para cumprir as 360 horas de estágio.


- E pessoas que quiserem aprender a plantar? Mais ajudam do que atrapalham?
Seu Waldir: Fica “elas por elas”, porque depende muito de cada um. Existem pessoas produtivas e existem aquelas que não são muito produtivas.

- Hoje o senhor produz o quê?

Seu Waldir: Hoje nós produzimos alface, cenoura, beterraba, repolho, couve-flor, brócolis, pepino, abóbora, coentro, salsão, salsinha e cebolinha. Mas tudo em pequena escala, porque os ajudantes que estão lá não têm muita noção do que fazer, eu deixo uma programação pra eles. A horticultura é mais ou menos como um neném, é preciso cuidar.

- O que antes você produzia que hoje produz muito menos?

Seu Waldir: Café, queijos, doce (produzo muito pouco), ovos (hoje nem galinha tenho mais). Por exemplo, o inhame hoje produzo pouco, batata baroa eu perdi até as mudas.

- E na feira de Mariana, de sábado, o senhor vende tudo que leva?
Seu Waldir: Eu já sei o que vai vender ali, então levo só um pouquinho a mais daquilo que normalmente vendo. Sempre vai sobrar alguma coisa. Início do mês vende mais que no final do mês.

- O que a população de Mariana mais compra na sua barraca?
Seu Waldir: São diversos produtos que as pessoas compram. Rúcula, cenoura, beterraba, alface, couve e tomate são os que mais vendem. Principalmente o tomate, porque o sabor do tomate comprado no mercado é diferente do comprado na feira. Quando alguém compra com a gente, depois compra no mercado, acaba voltando a comprar com a gente, porque a conservação do produto é maior, o sabor é diferente, tudo muda.

- E há 12 anos  era parecida a procura pelos produtos orgânicos em Mariana?

Seu Waldir: Mais ou menos. Por exemplo, salsão e alho poró é um grupo seleto de pessoas que consomem. Já o tomate é um grupo maior que compra, apesar do preço ser mais elevado, porque é a qualidade que prevalece. Nós vendemos o quilo a R$5, e no mercado custa dois reais.Hoje a mídia colabora muito com relação à propaganda do produto orgânico e dos efeitos negativos dos agrotóxicos. Além  disso, o sabor e a importância desses alimentos também nos ajudam. Mas o que as pessoas gostam mesmo é salada de alface, de cenoura e de beterraba cozida. Repolho, brócolis e couve-flor têm muita procura, mas eu não produzo em grande escala, porque são produtos que precisam de um acompanhamento mais rigoroso. Os produtos utilizados no sistema orgânico são caros, só são vendidos em Belo Horizonte, e eu nem sempre tenho esse capital de giro.A gente não tem grandes resultados porque se fala tanto em meio ambiente e proteção. Só que, quando você vai ao sistema orgânico, você protege, você tem tudo, mas você não tem nenhuma ajuda. Você tem o seu produto certificado, paga caro e não tem nenhum incentivo. Eu poderia ter crédito de carbono porque mais da metade da minha propriedade é mata. Se eu tivesse plantado eucalipto eu teria crédito de carbono (risos). Se tivesse derrubado tudo eu teria dinheiro hoje, como eu deixei tudo preservado, eu não tenho (risos).

Waldir ri.

A realidade chora.

Depois de voltar de sua terra, sabemos que pra entender esse senhor, tem que se viver.Entender o tanto de vida, conhecimento e sensibilidade que preenchem esse homem se torna mais fácil ao vivenciar um pouco do seu dia. A simplicidade de seus gestos - na sua plantação - faz uma combinação perfeita com a sabedoria e discurso invejável. Os alimentos que cultiva? Legumes e verduras, populares ou sofisticados, que no final resultam em uma deliciosa e rica salada. Assim é o Seu Waldir, alguém que saboreia a vida.

Começando a florir: legumes e verduras. Foto: Flávia Gobato.

Talvez o que o torna tão especial é o interesse vivaz por tudo, desde as coisas da terra à política atual. Apesar do modo sutil com que costuma emitir sua opinião, é firme e não hesita em criticar a ineficiência da política voltada pra agricultura. Diz se sentir abandonado e desabafa sobre as dificuldades financeiras e a falta de apoio por parte do governo que os agricultores enfrentam e, apesar do orgulho pelo que faz, sente-se desvalorizado e muitas vezes discriminado por ser agricultor. Mais uma vez reafirma sua revolta ao dizer que as pessoas não dão o valor que o agricultor merece, pois se o cultivo para, tudo para. “Ninguém vive sem se alimentar”, diz Seu Waldir com a experiência e segurança de alguém que sabe o que fala!

Deixamos o sítio do agricultor com certo ar de incompletude, sabendo o que é  se sentir pequeno. Talvez os frequentadores e clientes da feira de Mariana, nunca tenham parado para pensar que, por trás daqueles legumes, verduras orgânicas, frescos e vistosos, há um homem com história. Está  tudo bem para o “pedagogo da roça”, ele não quer reconhecimento, cerimônia. Há muito descobriu na simplicidade a sabedoria . Voltamos com a certeza de quando quisermos nos alimentar bem, de corpo e alma, é só irmos à feira, aos sábados, lá ele vai estar, o Seu Waldir.


Grupo 3. Edição de Texto: Bruna Fontes, Cristiano Gomes, Pedro de Grammont e Kênia Marcília. Foto: Flávia Gobato e Caroline Souza. Making-off: Pablo Silva, Rosiane Silveira e Giuseppe Rindoni.

Assista ao making off da matéria:    Vídeo 1    Vídeo 2  Vídeo 3



Nenhum comentário:

Postar um comentário